Decisão da Justiça pode mudar regras do Bolsa Família e preocupa o governo
Regra que limita cadastros unipessoais no Bolsa Família pode cair na Justiça. Governo Lula teme retrocesso e especialistas fazem alertasO Bolsa Família, programa que atende milhões de brasileiros, está no centro de uma disputa que pode alterar suas regras de funcionamento.
A Justiça analisa uma ação que questiona o limite imposto pelo governo para cadastros de famílias unipessoais, aquelas formadas por apenas uma pessoa.
Nos últimos meses, esse grupo de beneficiários passou por uma forte redução. Em agosto, eram 3,8 milhões, o menor número desde julho de 2022.
A queda aconteceu após medidas do governo Lula (PT) para coibir fraudes e impedir o desmembramento artificial de famílias. Agora, no entanto, parte dessas normas pode cair.
O que está em jogo
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com ação contra o limite de 16% de unipessoais dentro do programa.
O caso chegou à Turma Nacional de Uniformização, ligada ao Conselho da Justiça Federal. No mês passado, o relator, juiz federal Paulo Roberto Parca de Pinho, votou pela derrubada da regra, considerada ilegal. O julgamento deve ser retomado no próximo dia 18.
O tema preocupa o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), que alerta para risco de retrocesso. O governo argumenta que o limite ajuda a evitar distorções e garante justiça para famílias maiores, que recebem valores menores quando o cálculo é per capita.
O crescimento dos unipessoais
Quando Lula assumiu o governo, em janeiro de 2023, havia 5,9 milhões de famílias unipessoais no Bolsa Família, quase 27% dos beneficiários. Apenas um ano antes, esse número era de 3,3 milhões, ou 19% do total.
Especialistas apontam que o salto de 76,6% não reflete um aumento real de famílias de uma só pessoa, mas sim uma estratégia estimulada pela gestão de Jair Bolsonaro (PL), que havia fixado o mínimo de R$ 600 por família, independentemente do número de integrantes. A medida encorajou divisões artificiais de cadastros.
Piso de R$ 600 e complementos
Durante a campanha, Lula prometeu manter o mínimo de R$ 600. O compromisso foi cumprido: em agosto, 17,7 milhões de famílias receberam complementos para atingir o piso.
Sem isso, 92% dos beneficiários teriam valores menores, calculados apenas pelas regras per capita.
Para combater fraudes, o MDS criou regras mais rígidas, como:
- exigência de documento de identidade e comprovante de residência digitalizados;
- assinatura de termo de responsabilidade;
- entrevistas presenciais no domicílio antes da concessão de novos benefícios.
Municípios acima do limite
A regra dos 16% também impôs limites às prefeituras. Cidades que ultrapassam o percentual só podem liberar novos benefícios após revisar cadastros e corrigir irregularidades.
Hoje, cerca de 3,6 mil municípios ainda estão acima do permitido. Apesar disso, a proporção média nacional caiu para 19,8%.
Especialistas alertam para riscos
Para Leticia Bartholo, diretora do Ipea e ex-secretária do MDS, a eventual derrubada da regra seria um equívoco.
Segundo ela, a limitação foi criada com margem de segurança para não prejudicar grupos mais vulneráveis, como indígenas e pessoas em situação de rua.
Bartholo também destacou o risco de novas fraudes em períodos eleitorais, lembrando que movimentações atípicas já foram registradas em 2024.
Os argumentos em disputa
A DPU sustenta que a portaria de 2023 foi editada sem base legal e não pode retroagir para prejudicar famílias já cadastradas.
O Executivo, por outro lado, defende que o Bolsa Família é um programa de transferência de renda com orçamento anual, sujeito a critérios de priorização, diferente de benefícios obrigatórios como aposentadorias e pensões.
Bartholo sugere ainda mudanças no desenho do programa, como um valor mínimo diferenciado por idade, especialmente na primeira infância e para pessoas acima dos 55 anos. Para ela, isso tornaria o sistema mais justo e eficiente.