O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vivencia uma mudança demográfica que desafia a sustentabilidade de seu sistema: as mulheres se tornaram a maioria dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) no Brasil, superando os homens e liderando as estatísticas de aposentadoria por idade.
Dados recentes (como os de 2023) indicam que elas já representam cerca de 55% dos beneficiários ativos do INSS, e mais de 51% das aposentadorias concedidas.
Este fenômeno, conhecido como “feminização da Previdência”, é reflexo direto de fatores sociais e demográficos que pressionam o caixa do INSS e reacendem o debate sobre a necessidade de novas reformas nas regras de concessão de benefícios.
Longevidade X a Regra Atual
O principal ponto de tensão é a combinação de três fatores importantes:
- Maior Expectativa de Vida: Segundo o IBGE, as mulheres no Brasil vivem, em média, cerca de 7 anos a mais que os homens (expectativa de vida ao nascer é próxima a 80 anos para elas, contra 73 para eles). Isso significa que, ao se aposentarem, elas recebem o benefício por um período significativamente maior, elevando o custo atuarial do sistema.
- Idade Mínima Menor: Apesar de viverem mais, a Reforma da Previdência de 2019 manteve a diferenciação de gênero, exigindo uma idade mínima menor para as mulheres. Atualmente, a idade mínima para aposentadoria é de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, com tempo de contribuição mínimo de 15 anos.
- Tempo de Contribuição Reduzido: Em algumas regras de transição ou para o cálculo integral do benefício, o tempo de contribuição mínimo exigido para mulheres ainda é menor (ex: 30 anos para mulheres versus 35 anos para homens para aposentadoria por tempo de contribuição antes da Reforma).
A disparidade é clara: o grupo que mais sobrevive e mais tempo utiliza os recursos do INSS é o que tem o acesso mais facilitado à aposentadoria, o que pressiona o equilíbrio financeiro das contas públicas.
Crescimento Acelerado: Entre 2001 e 2023, o ritmo de crescimento das aposentadorias femininas foi de aproximadamente 4% ao ano, superando o crescimento masculino (cerca de 3% ao ano), demonstrando uma tendência de aumento que deve se acentuar nos próximos anos.
O dilema da Equidade Social
No entanto, a diferenciação nas regras de aposentadoria para mulheres é historicamente justificada pela dupla jornada e pelas desigualdades do mercado de trabalho.
- Dupla Jornada e Mercado de Trabalho: As mulheres ainda são as principais responsáveis pelo trabalho doméstico não remunerado e pelo cuidado familiar. Isso, muitas vezes, resulta em salários menores, maior informalidade e interrupções na carreira (como licença-maternidade ou afastamento para cuidar dos filhos), impactando a regularidade e o valor de suas contribuições previdenciárias.
- Valor Médio do Benefício: Apesar de serem maioria em número, estudos indicam que o valor médio dos benefícios femininos tende a ser mais baixo do que o dos homens, justamente devido às menores remunerações e carreiras contributivas mais irregulares.
A discussão central, portanto, não é apenas atuarial, mas de justiça social. Como o sistema previdenciário pode se manter financeiramente saudável sem ignorar as barreiras estruturais que dificultam a trajetória contributiva das mulheres?
O debate sobre uma possível nova rodada de alterações nas regras previdenciárias — focada na equalização gradual da idade mínima entre gêneros ou em um maior incentivo à contribuição contínua — deve ganhar força à medida que o impacto da feminização da longevidade se torna mais evidente nas contas do INSS.