O governo federal deve deixar de arrecadar valores que chegam a quase quatro vezes o orçamento do Bolsa Família em 2026 por conta de benefícios fiscais que atingem principalmente a parcela mais rica da população.
A estimativa faz parte de um estudo inédito elaborado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional).
De acordo com o levantamento, as renúncias fiscais devem alcançar R$ 618,4 bilhões em 2026. O montante é quase quatro vezes superior ao orçamento previsto para o Bolsa Família no próximo ano, estimado em R$ 158 bilhões, o que reacende o debate sobre prioridades na política fiscal do país.
O que são as renúncias fiscais
As renúncias fiscais, também chamadas de gastos tributários, representam valores que o governo deixa de arrecadar ao conceder isenções, subsídios, anistias e outros benefícios tributários a setores econômicos, atividades específicas ou grupos sociais.
Segundo a Unafisco, parte desses benefícios cumpre funções importantes. No entanto, o estudo questiona aqueles que não apresentam retorno social comprovado.
“Alguns benefícios são importantes”, pondera Mauro Silva, presidente da Unafisco.
“Agora, nem todos. Se os benefícios fiscais concedidos não atingem certos objetivos, como a busca do pleno emprego, o desenvolvimento sustentável e a redução de desigualdades, temos aí um problema. É justamente aí que surge a figura dos ‘privilégios tributários’.”
O que a Unafisco chama de privilégios tributários
No estudo, a entidade classifica como privilégios tributários os benefícios fiscais que não possuem contrapartida social comprovada por estudos técnicos.
Esse conceito vai além dos dados oficiais divulgados anualmente pela Receita Federal no Demonstrativo dos Gastos Tributários (DGT).
Além dos números tradicionais, a Unafisco incluiu três renúncias consideradas relevantes em sua análise:
- A isenção de lucros e dividendos distribuídos por pessoas jurídicas, prática adotada por poucos países no mundo
- A ausência do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição e ainda não regulamentado
- Os programas de parcelamento de débitos tributários, como Refis e Pert, que mesmo encerrados continuam afetando a arrecadação
Com esse critério ampliado, o total de gastos tributários pode chegar a R$ 903,3 bilhões em 2026.
Quanto do total não gera retorno social
Do total estimado, a Unafisco aponta que R$ 618,4 bilhões, o equivalente a 68%, se enquadram como privilégios tributários, ou seja, renúncias sem comprovação de benefício direto à sociedade.
Os dez maiores privilégios somam R$ 479,6 bilhões, representando 78% desse total. O principal deles é a isenção de lucros e dividendos, que, segundo a entidade, deixaria de gerar R$ 146,1 bilhões aos cofres públicos em 2026, mesmo considerando os efeitos da reforma do Imposto de Renda.
“Quando a União não inclui no gasto tributário a isenção para lucros e dividendos, isso retira do Legislativo uma oportunidade de debate”, argumenta Silva.
“Eles não são informados o quanto essa isenção traz de prejuízo ao país. Sabemos que temos R$ 1 trilhão de dividendos distribuídos [anualmente no Brasil], e é preciso que isso faça parte desse debate entre Executivo e Legislativo na elaboração do Orçamento.”
Imposto sobre Grandes Fortunas entra no debate
O segundo maior item identificado no estudo é a não instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, cuja arrecadação potencial foi estimada em R$ 100,5 bilhões.
“Se trata de uma omissão do Legislativo”, argumenta o presidente da Unafisco, ao citar o reconhecimento dessa omissão pelo Supremo Tribunal Federal, que não estabeleceu prazo para regulamentação.